Vivemos tempos em que apontar o dedo para o povo se tornou uma prática comum.
É sempre mais fácil culpar quem está nas ruas, quem grita, quem protesta, quem queima pneus, quem quebra vitrines.
A narrativa oficial costuma dizer que isso é vandalismo, que é crime, que é desordem.
Mas ninguém se pergunta de onde vem essa revolta.
Ninguém tenta entender as razões por trás dos atos que tantos se apressam em condenar.
Dizem que o povo é violento.
Mas esquecem que a verdadeira violência começou muito antes.
Começou quando a comida desapareceu da mesa.
Começou quando a escola virou um prédio abandonado.
Começou quando o hospital deixou de salvar vidas por falta de médicos e medicamentos.
A violência começou quando a polícia passou a ser símbolo de medo e não de proteção.
Quando homens fardados, armados, pagos pelo Estado, passaram a ser os juízes e executores do povo nas ruas.
Quando uma abordagem virou sentença.
Quando um tiro no peito virou rotina.
Há quem diga: “Vandalismo é crime, deve ser combatido.”
Sim, destruir patrimônio público é um erro.
Mas será que tirar a vida de um inocente é menor do que quebrar um vidro de banco?
Será que um bem material vale mais do que um ser humano?
Será que a farda isenta da responsabilidade moral e legal?
O povo é julgado na hora.
Sem advogado, sem direito à palavra, sem segunda chance.
Mas quando é um agente do Estado quem comete o erro, o silêncio reina.
A imprensa cala, as autoridades desviam o olhar, os relatórios são manipulados.
Quando um cidadão comum comete um delito, é manchete.
Quando um policial mata, é "fatalidade".
Quando o povo protesta, é "baderna".
Mas quando a polícia reprime com violência, é "manutenção da ordem".
Há algo profundamente errado nesse equilíbrio.
Vivemos uma justiça seletiva, uma indignação seletiva, um luto seletivo.
A morte do pobre não gera comoção.
A dor do povo não ganha espaço na televisão.
O policial que abusa do poder é protegido.
É transferido, é promovido, é acobertado.
Enquanto isso, famílias choram em silêncio.
Mães enterram seus filhos e só encontram muros e burocracia.
Vandalismo não é matar.
Vandalismo não é exterminar juventudes nos becos e vielas.
Vandalismo é agir como se a vida do pobre não valesse nada.
É tratar as favelas como zonas de guerra.
É fácil acusar o povo quando ele reage.
Mas difícil é reconhecer que ele vive oprimido.
Difícil é admitir que sua dor é legítima.
Difícil é encarar que o Estado também erra, e erra feio.
Por que ninguém questiona os assassinatos cometidos por quem deveria proteger?
Por que o debate some quando a farda entra em cena?
Por que o peso da lei só cai sobre um lado?
Por que o luto do pobre é invisível?
O povo não nasce revoltado.
O povo não sai às ruas por diversão.
O povo vai às ruas porque não tem mais onde chorar, porque já gritou demais dentro de casa e ninguém escutou.
E quando ele quebra, quando ele reage, quando ele se impõe…
É porque já cansou de apanhar calado.
Já cansou de enterrar filhos.
Já cansou de esperar justiça.
Enquanto isso, o Estado segue cego, surdo e mudo.
Protegendo os seus e punindo os de sempre.
Condenando quem grita, absolvendo quem atira.
A violência se institucionaliza, se normaliza, se repete.
E quando alguém ousa questionar, logo tentam calar.
Dizem que defender o povo é defender o caos.
Mas o verdadeiro caos é o silêncio diante da injustiça.
O verdadeiro caos é a naturalização da morte.
A vida precisa valer mais do que a propriedade.
A justiça precisa valer para todos.
A polícia precisa ser presença de paz, não de terror.
E a sociedade precisa parar de tapar os olhos quando o sangue escorre das periferias.
Não se constrói paz com o silêncio.
Não se combate a violência com mais violência.
Não se vence o medo com armas apontadas para o povo.
Só com verdade, justiça e humanidade.
Por isso, antes de criticar o povo que protesta, é preciso ouvir o que ele tem a dizer.
Antes de rotular como vândalos, é preciso entender o que os levou à rua.
E, acima de tudo, é preciso ter coragem de apontar o dedo também para quem tem farda, arma e poder.
Porque vandalismo, de verdade, é tirar a vida e fingir que nada aconteceu.
Se quiser, posso adaptar o texto para um estilo mais poético, jornalístico ou voltado para redes sociais. Deseja isso?
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