Estamos em Julho. O frio da manhã cobre a cidade como um lençol de silêncio. É segunda-feira, dia em que muitos recomeçam a sua luta. A brisa gelada não perdoa, especialmente para quem nada tem. Há quem acorde sem um teto, sem cobertor, sem sequer um carinho para aquecer a alma. Mas já estão nas ruas. Vendendo, carregando, andando — sobrevivendo. Porque a fome não espera o sol aquecer. Nem o sistema se comove com a miséria.

 


Lá pelas 9 da manhã, um antigo rosto do poder irá aparecer na Procuradoria-Geral da República.
Bernardino Rafael, outrora o homem forte da Polícia.
Hoje, homem de chá e conversa miúda com o novo Procurador.
Os temas?
Nada que pese na consciência da Nação.
Talvez falem da esposa dele, que precisa ir a Nelspruit.
Não por urgência médica, mas para tratar da imagem.
Quer rever o esteticista — o corpo já não agrada tanto aos espelhos.
Vai à caça de um milagre que tire uns quilos do luxo.

Enquanto isso, nós por cá...
Recordamos os 400 moçambicanos mortos a tiro nas manifestações.
Gente simples, que acreditava em mudança.
Mortos porque ousaram gritar por pão.
Mortos porque não quiseram calar a fome.
Mortos porque o sistema prefere silêncio à justiça.

Há barracas onde meninos de 14 anos amanhecem embriagados.
Bebem o que encontram, zurrapas baratas que queimam por dentro.
A infância virou um conceito distante.
A juventude se afoga na desesperança.
Estudam pouco, sonham menos, e vivem no modo sobrevivência.

O país?
Caminha de olhos fechados para o abismo.
A economia está em coma.
A dívida é um monstro que nos come vivos.
Empregos?
Só para quem tem o sobrenome certo ou padrinho com poder.
Meritocracia? Não por estas bandas.
Aqui vence quem sabe bajular, não quem sabe trabalhar.

A saúde está doente.
Hospitais sem medicamentos, sem médicos, sem dignidade.
Mulheres a parirem no chão, crianças a morrerem por febre.
E os governantes?
Tratam-se no estrangeiro.
Na África do Sul, em Portugal, ou quem sabe até em Dubai.
Porque aqui, onde vivem e governam, não confiam.

A educação é uma sombra do que deveria ser.
Professores mal pagos, escolas sem carteiras, alunos sem livros.
Mas há investimentos em propaganda.
Campanhas com música, dança e camisetes.
Promessas renovadas em cada eleição.
Mentiras recicladas.
Esperança fingida.

Há um partido que governa há 50 anos.
De vermelho se veste.
Fala em nome do povo, mas vive longe dele.
Come sozinho, decide sozinho, lucra sozinho.
Para eles, o país está bem.
Não há crise, não há fome, não há dor.
Vivem numa bolha blindada pela segurança e pelo privilégio.

Mas a realidade grita.
Nas periferias, nas zonas rurais, nos bairros esquecidos.
Grita por justiça, por pão, por oportunidade.
Mas ninguém ouve.
Quem devia escutar, está ocupado a proteger os seus.
A cuidar de viagens, plásticas e interesses pessoais.

O povo está cansado.
Mas ainda assim, acorda todos os dias.
Enfrenta o frio, a fome, a incerteza.
Com fé, com coragem, com uma força inexplicável.
Na rua, nas machambas, nos mercados, o povo segue.
Mesmo sem saber se há futuro.

Neste país, o sofrimento é diário.
A corrupção é sistêmica.
A impunidade é norma.
E a esperança, essa, vai sendo enterrada aos poucos.
Cada jovem que emigra, cada criança que abandona a escola, cada mãe que perde o filho na maternidade — é um grito de socorro ignorado.

Julho chegou frio, duro, cruel.
Como tem sido todos os meses para os que vivem à margem.
O país não fechou oficialmente, mas já não funciona.
Faliu no espírito, na ética, na justiça.

Mas ainda assim, o povo caminha.
E um dia, talvez, o grito que hoje é abafado, será ouvido.


Se quiser, posso ajustar o tom (mais jornalístico, mais literário, mais crítico, etc.). Deseja alguma adaptação?

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