Turbulência Interna Abala a Renamo: Dirigentes Acusam Uso Indevido da Polícia em Conflitos Partidários

 



A Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição em Moçambique, enfrenta uma das suas mais delicadas crises internas desde o fim do conflito armado. Nos últimos dias, tensões entre alas rivais dentro da formação política vieram a público, expondo um cenário de desconfiança, disputas de liderança e, agora, a alegada instrumentalização das forças de segurança pública para resolver disputas de natureza estritamente partidária.

Vários membros seniores da Renamo manifestaram-se de forma contundente contra o que classificam como uma interferência externa inaceitável na vida interna do partido. Segundo eles, a Polícia da República de Moçambique (PRM) foi mobilizada em determinados momentos recentes para intervir em contextos que, na visão desses dirigentes, deveriam ser tratados exclusivamente pelos órgãos internos do partido.

Em declarações públicas, alguns veteranos da Renamo denunciaram que patrulhas policiais foram avistadas em proximidades de reuniões internas, atos partidários e até sedes regionais, sem que houvesse qualquer justificação legal aparente para essa presença. “Não podemos tolerar que um partido com a nossa história passe a resolver seus conflitos com o apoio de armas e fardas do Estado”, afirmou um dos dirigentes históricos, sob condição de anonimato.

Essas alegações foram reforçadas por imagens e vídeos amadores que circulam nas redes sociais, nos quais se pode ver efetivos da polícia impedindo o acesso de determinados membros a reuniões partidárias. A presença policial é interpretada por muitos como uma tentativa de intimidação, algo que despertou a indignação de setores mais antigos e tradicionais do partido.

O epicentro dessa crise parece estar ligado à liderança de Ossufo Momade, atual presidente da Renamo, cuja gestão tem sido cada vez mais contestada por membros da ala histórica do partido. Acusações de autoritarismo, gestão centralizada e exclusão de figuras relevantes marcaram a recente onda de críticas à sua liderança. Agora, a presença da polícia nesses episódios parece ter acendido um novo sinal de alarme entre os militantes.

“Se a liderança atual começa a depender da polícia para impor decisões internas, então deixamos de ser um partido democrático para nos tornarmos um aparelho repressivo”, declarou um outro dirigente sénior, que também pediu para não ser identificado, temendo represálias. Ele lembra que a Renamo sempre se orgulhou de resolver seus conflitos através do diálogo e da consulta interna, mesmo nos momentos mais difíceis da sua história.

A situação é ainda mais delicada porque, em um passado recente, a Renamo desempenhou papel central no processo de paz e reconciliação nacional, tendo assinado acordos com o governo para a desmilitarização, reintegração de ex-combatentes e estabilidade institucional. O atual cenário interno, no entanto, levanta preocupações sobre a capacidade do partido de manter sua unidade e coerência no processo democrático.

Questionada pela imprensa, a direção nacional da Renamo ainda não emitiu uma posição clara sobre as alegações de uso indevido da polícia. Algumas fontes ligadas ao comité político tentaram minimizar os acontecimentos, classificando-os como “exageros” e “interpretações distorcidas de fatos isolados”. No entanto, a ausência de um esclarecimento oficial mais firme apenas alimenta a desconfiança de muitos militantes.

Do lado da Polícia, também não houve pronunciamento público até o momento. Consultado informalmente, um oficial da PRM indicou que a corporação apenas responde a ordens e age “sempre dentro dos parâmetros da legalidade”, sem entrar em disputas políticas. No entanto, o silêncio institucional de ambas as partes envolvidas levanta dúvidas sobre a transparência do processo.

Analistas políticos consideram que esta crise pode ter repercussões sérias no posicionamento da Renamo no cenário político nacional. Para alguns, ela fragiliza o partido diante das eleições que se aproximam, minando a sua capacidade de se apresentar como uma alternativa sólida ao poder. Para outros, esse momento poderá funcionar como um catalisador para uma renovação interna, caso os setores críticos consigam impor mudanças estruturais.

“O grande risco é que essa tensão interna descambe para divisões irreconciliáveis, como já aconteceu no passado com outros partidos africanos”, alerta o cientista político Paulo Matavele. “A presença da polícia em disputas internas não resolve os problemas, só os agrava. É preciso reconstruir pontes internas antes que o dano seja irreversível.”

Enquanto isso, nas bases do partido, cresce o sentimento de frustração. Militantes de várias províncias têm enviado cartas e petições à direção central pedindo mais transparência, inclusão e respeito pelos estatutos da Renamo. Muitos afirmam que se sentem ignorados e que as decisões importantes têm sido tomadas por um núcleo muito restrito de dirigentes.

Diversos antigos combatentes da Renamo também se mostraram preocupados com os rumos do partido. Para eles, a Renamo deve retomar os ideais de participação democrática e respeito mútuo que guiaram a sua luta, tanto durante o conflito quanto na transição para a política institucional. “Não lutamos todos esses anos para ver o partido desfigurado por disputas internas e atitudes autoritárias”, afirmou um ex-combatente da zona centro.

O futuro imediato da Renamo parece incerto. Com divisões internas se agravando, acusações públicas ganhando força e a imagem do partido sendo abalada perante a opinião pública, a liderança terá de agir rapidamente se quiser evitar uma cisão maior. O uso da polícia em meio a este contexto é visto como um passo perigoso, que pode levar a rupturas mais profundas se não for imediatamente revisto.

Diante do atual cenário, uma coisa é certa: a crise na Renamo vai muito além de disputas de poder. Ela coloca em causa os princípios fundamentais da organização, e seu desfecho poderá redefinir o papel do partido na política moçambicana.

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