Nos últimos tempos, especialmente após a minha participação numa sessão no Senado realizada no mês passado, venho enfrentando uma enxurrada de reações negativas que me surpreenderam pela intensidade. Assim que concluí minha intervenção, uma verdadeira avalanche de críticas tomou conta das redes sociais, muitas delas vindas justamente de onde eu menos esperava: dos meus próprios irmãos africanos.



As palavras que proferi naquela ocasião, embora ditas com convicção e baseadas em minha vivência e compreensão da realidade, foram recebidas por muitos com profunda discordância. A repercussão foi rápida e implacável. Comentários severos começaram a surgir de todos os cantos do continente africano, como se eu tivesse traído um pacto silencioso. Fui acusado de ser condescendente, de me distanciar da luta africana, e até de me esquecer das minhas próprias raízes.

É triste constatar que, em meio a tantas vozes, poucos se lembraram de algo fundamental: eu também sou africano. Minha pele carrega a mesma cor, meu sangue pulsa com o mesmo ritmo ancestral, meu espírito se moldou com as mesmas tradições, lutas e esperanças do nosso povo. Não sou estrangeiro na causa africana. Pelo contrário, sou fruto dela. As palavras que disse não nasceram de um lugar de superioridade ou de alienação, mas sim de um profundo amor pelo nosso continente e de um desejo sincero de vê-lo prosperar.

Senti-me, de certo modo, excluído do diálogo por aqueles que deveriam me acolher como irmão. A crítica construtiva é sempre bem-vinda. Ela fortalece, corrige, amplia perspectivas. Mas o que recebi foi, em muitos casos, uma reação emocional, marcada mais pela rejeição do que pela reflexão. Muitos não se deram ao trabalho de entender o contexto, de ouvir com atenção, de dialogar com empatia.

Dói perceber que a discordância, em vez de abrir espaço para o debate, tenha sido usada para erguer muros entre nós. Eu não deixei de ser africano por expressar uma opinião diferente. Ter coragem de apontar desafios internos, mesmo quando desconfortável, é um ato de lealdade, não de traição. É fácil aplaudir discursos que apenas reafirmam o que queremos ouvir, mas é nas palavras difíceis que, muitas vezes, reside o germe da mudança.

Sou africano, sim, com orgulho. Cresci ouvindo histórias dos nossos reis, dos nossos guerreiros, dos nossos libertadores. Vi com meus próprios olhos a beleza e a dor do nosso chão. Caminhei por vilarejos onde a esperança resiste, mesmo diante da escassez. Ouvi o clamor de jovens que sonham com um futuro mais digno. Essas vivências moldaram minha consciência e reforçaram minha missão.

Quando subi ao púlpito no Senado, levei comigo não apenas meu currículo ou minhas ideias. Levei também a memória dos meus ancestrais, a força do povo que represento, e a esperança de que, ao falar com franqueza, eu pudesse despertar algo novo, um olhar mais crítico e ao mesmo tempo mais comprometido com a realidade africana.

Infelizmente, a recepção foi diferente. O que deveria ser um momento de troca tornou-se um tribunal de julgamento precipitado. Alguns me chamaram de vendido. Outros disseram que me alinhei com vozes de fora do continente. Poucos tentaram entender as razões por trás das minhas palavras. Muitos se esqueceram de que por trás do discurso havia um ser humano com cicatrizes, com vivências africanas autênticas, com um coração que bate pela África.

Não falo do alto de uma torre de marfim. Falo com os pés fincados no solo que me viu nascer. Falo como quem acredita na capacidade do nosso povo de se reinventar, de enfrentar suas sombras e caminhar rumo à luz. A crítica, quando feita com amor, edifica. Mas a crítica que desumaniza, que apaga identidades, que ignora trajetórias, só contribui para o afastamento.

Hoje, reflito sobre tudo o que aconteceu e sigo firme no propósito de continuar dialogando. Não me calarei diante das tensões. Se for necessário provocar incômodos para provocar reflexão, assim o farei. Mas nunca deixarei que isso me afaste da minha essência africana.

Sou, antes de tudo, filho da África. E mesmo diante da rejeição de alguns, estendo minha mão em sinal de união. Porque acredito que, no fim, a fraternidade será mais forte que a divergência. E o amor ao nosso continente falará mais alto que qualquer crítica momentânea.


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