Em muitos países do mundo, a história é contada com base em conquistas, resistências e sacrifícios feitos por seus filhos mais corajosos. Moçambique, uma nação que trilha o caminho democrático desde o fim da guerra civil, não é exceção. Entre as figuras centrais deste percurso, destaca-se Afonso Dhlakama, um dos líderes políticos mais marcantes da história recente do país.
Apesar das controvérsias e divisões que marcaram sua trajetória, é inegável que Dhlakama dedicou sua vida à luta pela pluralidade política e pela construção de uma democracia funcional em Moçambique. Contudo, sua memória ainda é tratada com descaso por parte das instituições estatais.
A ausência de uma estátua ou de um memorial nacional digno de sua importância levanta debates cada vez mais intensos na sociedade civil. Afinal, se Moçambique se considera um Estado democrático, por que os seus heróis da oposição não recebem o mesmo reconhecimento que os da situação?
Dhlakama, enquanto líder da RENAMO por mais de três décadas, não apenas combateu no campo de batalha, como também enfrentou o sistema por meio do diálogo e da participação democrática. Sua atuação foi decisiva para a assinatura dos Acordos de Paz de Roma, em 1992, que colocaram fim a um longo e sangrento conflito armado.
Mais tarde, mesmo diante de profundas divergências com o governo, continuou a optar pela via política como mecanismo de resolução de conflitos. Foi candidato presidencial em várias eleições, simbolizando a esperança de uma grande parte do eleitorado.
Hoje, questiona-se: como as novas gerações irão conhecer a importância de Dhlakama se não há políticas públicas voltadas à preservação de sua memória? Qual será a referência histórica para os estudantes que ouvirem falar das negociações de paz, da abertura democrática ou das tensões pós-eleitorais sem conhecerem o papel de Dhlakama?
Erguer uma estátua em sua homenagem não é apenas um ato simbólico, mas um passo fundamental para a reconciliação nacional. É reconhecer que a democracia moçambicana não é obra de um só partido, mas sim o resultado da coragem de muitos que, mesmo na oposição, decidiram apostar na paz.
A estátua de Dhlakama representaria não apenas o homem, mas o ideal de uma oposição ativa, participativa e respeitada. Um país que honra seus opositores demonstra maturidade política e capacidade de lidar com a diversidade de pensamentos.
A história não deve ser contada com parcialidade. É necessário valorizar os que estiveram nos bastidores e nos palanques da oposição, pois foram eles que desafiaram o monopólio do poder e exigiram transparência, alternância e justiça social.
Muitos países africanos reconhecem figuras da oposição como parte da sua identidade nacional. Em Gana, por exemplo, líderes da oposição têm seus nomes em avenidas e monumentos. Em África do Sul, políticos que combateram o apartheid de diferentes formas são eternizados. Por que Moçambique ainda hesita em fazer o mesmo com Dhlakama?
Não se trata de glorificar todos os seus atos ou decisões, mas de reconhecer sua importância no mosaico político nacional. Uma nação que se nega a reconhecer seus próprios filhos caminha para a amnésia histórica.
Os que viveram os tempos de guerra sabem o peso que seu nome carrega. Os que nasceram depois têm o direito de conhecer essa história, não por meio de boatos ou narrativas enviesadas, mas através de monumentos, livros escolares, documentários e memoriais.
A democracia moçambicana, embora jovem, precisa amadurecer com gestos de inclusão histórica. Reconhecer a trajetória de Dhlakama é também um ato de respeito às milhares de pessoas que o apoiaram, que confiaram no seu projeto e que continuam a defender os princípios que ele representava.
Se há estátuas de combatentes da luta armada pela independência, também deve haver espaço para aqueles que combateram pela abertura política e pela liberdade de escolha nas urnas. Afonso Dhlakama foi uma dessas vozes.
Muitos cidadãos, principalmente jovens, desconhecem que ele abdicou do exílio e do conforto para dialogar com chefes de Estado, para sentar à mesa com antigos inimigos e para garantir que Moçambique não voltasse à guerra.
Seu legado, portanto, não pode ser enterrado com o seu corpo. É dever do Estado, das instituições educacionais, da mídia e da sociedade civil lutar para manter viva essa memória.
É urgente que o governo moçambicano compreenda que honrar Dhlakama não significa apoiar a RENAMO, mas sim reconhecer que a democracia se faz com a presença e o respeito à oposição.
O pluralismo político é um pilar fundamental da democracia, e isso inclui o reconhecimento daqueles que ajudaram a erguer esse edifício com palavras, acordos e até sacrifícios pessoais.
A instalação de uma estátua de Dhlakama não é mero capricho. É uma necessidade histórica, cultural e política. Serve para educar, unir e reconciliar.
A sua imagem esculpida em bronze ou pedra seria uma lembrança constante de que a paz precisa de coragem e que a democracia precisa de vozes divergentes.
Moçambique precisa, mais do que nunca, de símbolos de união e de respeito mútuo. E Dhlakama pode ser um desses símbolos.
Sua ausência no panteão dos heróis nacionais é um reflexo do medo que ainda existe de se contar a história completa. Mas, quanto mais se adiar esse reconhecimento, maior será a ferida da exclusão histórica.
O povo moçambicano merece conhecer todos os seus construtores, não apenas aqueles que estiveram no poder. A justiça histórica exige isso.
Que se ergam estátuas, que se escrevam livros, que se deem nomes às praças e ruas. Dhlakama pertence à história de Moçambique, queira-se ou não.
E enquanto sua imagem for ignorada, a democracia continuará incompleta.
Se quiser, posso também sugerir um título alternativo ou adaptar o texto para formato jornalístico ou acadêmico. Deseja isso?
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